Em 2024, quase 90% do valor total de produtos falsificados e pirateados apreendidos pela Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos teve origem na China e em Hong Kong, segundo relatório oficial do órgão. O dado expõe um mercado paralelo estruturado e em expansão, que desafia leis internacionais e impacta diretamente a indústria do luxo.
Do falso ao idêntico: o que são os superfakes
Diferentemente das cópias convencionais, os superfakes reproduzem com precisão detalhes como costura, acabamentos e até números de série de itens originais, principalmente de marcas de luxo. De bolsas e calçados a roupas esportivas e relógios, esses produtos circulam tanto em mercados físicos, como os centros comerciais de Xangai e Pequim, quanto em redes sociais e plataformas de e-commerce. Em muitos casos, são vendidos por valores inferiores ao varejo tradicional, mas superiores às falsificações comuns, atraindo consumidores que buscam status a menor custo.
Na China, o crescimento do mercado paralelo contrasta com as tentativas do governo de conter a prática. A Lei de Comércio Eletrônico, em vigor desde 2019, ampliou a responsabilidade das plataformas digitais, como Taobao e Pinduoduo, exigindo a retirada de vendedores de produtos falsificados e estabelecendo multas de até 2 milhões de RMB (cerca de US$274 mil). A legislação também passou a abranger comerciantes que atuam exclusivamente por redes sociais, antes fora do escopo regulatório.
Ainda assim, os vendedores continuam a adotar táticas para driblar os controles. Entre elas estão a substituição de letras em nomes de marcas, como “Z*ra” em vez de Zara, o uso de chats privados para divulgar preços com desconto e o redirecionamento de usuários para sites alternativos. A tecnologia de inteligência artificial, usada por plataformas como o Taobao para rastrear produtos suspeitos com base em preços, tem sido contornada por vendedores que igualam o valor ao de itens legítimos, apenas revelando o preço real no atendimento direto.
Fora do ambiente online, os mercados físicos seguem operando de forma quase aberta. Pequenas barracas e estabelecimentos sem identificação continuam a vender falsificações em pontos turísticos e áreas comerciais de grandes cidades. Embora existam inspeções periódicas, autoridades tendem a mirar alvos maiores, enquanto operações menores persistem à margem da fiscalização.
Mudança de comportamento do consumidor americano após tarifas
Desde a imposição de tarifas de importação contra a China, que chegaram até 145% nos EUA, consumidores americanos passaram a buscar alternativas para driblar esses custos. Conforme reportagem do New York Post, em abril, o Taobao registrou aproximadamente 185.000 downloads, além do aumento em outros aplicativos chineses como Taobao e DHgate para compras diretas, facilitadas pelo acesso via smartphone.
Nas redes sociais, especialmente no TikTok, vídeos que expõem os bastidores da produção de falsificações se tornaram virais. Alguns mostram supostos fabricantes demonstrando as semelhanças entre originais e réplicas. Outros assumem tom mais publicitário, promovendo vendas diretas com apelo à ideia de que os produtos vêm das “mesmas fábricas” de marcas conhecidas, como Gucci, Prada, Michael Kors e Louis Vuitton.
Esses vídeos usam o conflito comercial entre EUA e China como contexto. Criadores afirmam que o governo chinês revogou acordos de confidencialidade como retaliação às tarifas americanas, permitindo que fábricas detalhassem por dentro a cadeia de produção global de luxo, narrativa sem verificação independente ou confirmação oficial.
Marcas como Hermès e Lululemon negaram vínculo comercial com os produtores mencionados nos vídeos. Hermès reafirma que produz exclusivamente na Europa, enquanto Lululemon informou que não trabalha com os fornecedores citados e alerta para potenciais falsificações
Marcas adotam blockchain, IA e linhas acessíveis para enfrentar superfakes
A Dewu (Poizon), popular entre jovens consumidores chineses, oferece serviços de verificação que combinam análise especializada e tecnologia de IA. Cada produto enviado à plataforma passa por múltiplas etapas de checagem, incluindo avaliação de materiais, padrões de fabricação e numeração.
Essa normalização do consumo de superfakes também pressiona o comportamento de marcas de luxo. Algumas têm intensificado ações judiciais contra plataformas digitais, enquanto outras investem em tecnologias de rastreamento por blockchain e etiquetas NFC invisíveis, buscando assegurar a autenticidade dos produtos desde a fabricação até o ponto de venda. Há ainda movimentos mais recentes de adaptação, como o lançamento de linhas paralelas ou edições limitadas com preços mais acessíveis, numa tentativa de recuperar parte dos consumidores atraídos por réplicas.
Consumo, status e ética: o dilema por trás da réplica
Especialistas apontam que o combate aos superfakes exige mais do que reforço nas fronteiras. A rastreabilidade da cadeia de produção e a cooperação entre países, sobretudo em um cenário de vendas transnacionais facilitadas por marketplaces e redes sociais, são pontos de alerta. Além disso, cresce o debate sobre o papel do próprio consumidor nesse ecossistema. A busca deliberada por réplicas de alto padrão levanta questionamentos sobre o valor atribuído às marcas, o consumo consciente e os limites éticos do desejo por status.
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