Cultura

Jannie: uma empreendedora que constrói pontes entre a China e o Brasil através da culinária

Culinária China Brasil
Foto: Arquivo pessoal

Cheguei ao Brasil em 1986, mas a história da minha família com este país começou antes. Meu pai veio para cá em 1979 a trabalho. Depois disso, minha mãe trouxe a mim, meu irmão e minha irmã para imigrarmos juntos. Foi aqui que criamos raízes e, nesta terra calorosa e acolhedora, formei minha própria família e tive quatro filhos.

Naquela época, o ambiente para o aprendizado da língua chinesa no Brasil era bastante limitado. Por isso, tanto eu quanto meu marido sempre desejamos que nossos filhos pudessem manter e herdar a língua e a cultura chinesa. Incentivei minhas duas filhas a voltarem para a China com 11 anos de idade, uma após a outra, para aprender o mandarim. Em 2010, decidimos voltar todos juntos à China para oferecer um ambiente de aprendizado mais adequado.

Sou uma mãe chinesa bastante tradicional. Eu mesma preparo todas as refeições diárias dos meus filhos e sempre pergunto: “O que vocês querem comer hoje?” Curiosamente, o que eles mais sentiam falta eram os sabores do Brasil. No café da manhã, queriam pão de queijo; no almoço, arroz com feijão. Para matar a saudade deles, comecei a aprender a fazer pratos brasileiros — testando receitas, ajustando temperos, e sempre deixando que fossem eles os juízes do sabor. Foi esse amor de mãe que, aos poucos, construiu minha habilidade na culinária brasileira.

Culinária China Brasil
Foto: Arquivo pessoal
Culinária China Brasil
Foto: Arquivo pessoal

Com o tempo, mais e mais amigos começaram a gostar dos quitutes que eu preparava e passaram a fazer encomendas. No início, tudo era feito à mão, artesanalmente. Mas quando a demanda cresceu, comecei a colaborar com fábricas de alimentos locais. Eu mesma ensinava os mestres de produção a preparar as receitas e acompanhar o processo, garantindo padronização e qualidade.

Em 2017, lançamos oficialmente nosso primeiro produto, o pão de queijo. E foram meus próprios filhos que decidiram que a marca deveria se chamar “Donna Jannie”, em homenagem à mãe e ao amor por trás de tudo. A identidade visual e o design da embalagem foram criados por minha filha mais velha, a operação diária foi assumida pela segunda filha, e até os filhos homens não conseguiram escapar da missão de ajudar no negócio: assumiram a parte comercial e publicidade (risos). Assim, aos pouquinhos, nasceu a Donna Jannie.

De volta à China, comecei a ajudar meu marido a importar produtos brasileiros de qualidade para o mercado chinês. Desde 2010, fui nomeada representante exclusiva dos vinhos Miolo na China. Em 2013, também conseguimos introduzir o café especial brasileiro Unique Café no país, e desde então participamos todos os anos da Feira de Importação da China, a CIIE. Criamos nossa própria marca de café, chamada “Lady Coffee”, com grãos verdes importados diretamente de fazendas brasileiras, mas torrados na China, assim mantemos a frescura do café especial. Cada linha de café recebe o nome da dona da fazenda, como Mariana, Vera, Celia ou Shara — uma homenagem às mulheres do campo.
Sou apaixonada pelo que faço, e é por isso que sigo firme até hoje. Através da Donna Jannie, não apenas vendemos produtos, mas também organizamos degustações, encontros culturais e experiências com café, tudo para que os consumidores chineses possam realmente conhecer e sentir os sabores e histórias do Brasil.

Claro, nem tudo foi fácil. O maior desafio no início era a falta de conhecimento sobre o Brasil. Muitos chineses associam o país apenas ao futebol e ao samba, sem saber que o Brasil também é produtor de vinhos excelentes, cafés de altíssima qualidade e alimentos incríveis. Por exemplo, marcas como Unique Cafés têm cafés especiais que podem competir com os melhores do mundo, mas poucos conhecem. Ou a vinícola Miolo, que produz vinhos incríveis no sul do Brasil, mas que infelizmente ainda é pouco valorizada no mercado asiático.

No mercado chinês, os produtos brasileiros são muitas vezes heróis invisíveis. Uma xícara de café vendida na China pode ter até 40% de ingredientes originários do Brasil; na cafeteria, o açúcar usado para adoçar também pode ser brasileiro; até as coxinhas de frango que comem na China podem vir da Seara ou da Sadia do Brasil. Mas os consumidores chineses, em sua maioria, não sabem disso.

Por quê? Porque faltam contadores de histórias. Em um mercado movido pelo lucro, são poucos os que se dedicam a contar a história e a alma por trás de um produto. Sem paixão e amor, ninguém consegue sustentar esse esforço por muito tempo.

Além disso, o Brasil possui um alto custo operacional e uma logística desafiadora. Muitas empresas hesitam em investir nos riscos de entrada no mercado chinês. Esse é um desafio constante para nós.Mesmo assim, sigo acreditando que vale a pena insistir nessa ponte.
Acredito que, embora China e Brasil tenham culturas muito diferentes, os dois povos são gentis, amigáveis e acolhedores. Com uma mentalidade aberta e generosa, é totalmente possível que nossas culturas se complementem e se fundam, criando novas formas de ver o mundo e de viver.

Sinto-me muito sortuda por poder viver entre essas duas culturas, encontrar meu espaço e me tornar uma ponte real entre China e Brasil.

Desejo, do fundo do coração, que no futuro tenhamos ainda mais intercâmbios e cooperações culturais entre os dois países, especialmente entre jovens, marcas criativas e novos talentos. Também espero que Donna Jannie não seja apenas uma marca, mas uma verdadeira plataforma de conexão cultural, onde sabores unem corações e a gastronomia se torne a linguagem mais doce do mundo.

Que a amizade sino-brasileira dure para sempre!