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Investimento em eSports fortalecerá ainda mais a posição da China no mercado de games, diz especialista

Games China
Imagem: arquivo pessoal

No último ano, a China deu um grande passo na indústria de games. De um mercado inicialmente focado em jogos mobile, o país agora entrou na briga com grandes mercados globais como criador de títulos AAA, desafiando as grandes potências globais com uma abordagem ousada e inovadora. Empresas como Tencent, NetEase e miHoYo lideraram esse movimento, misturando cultura local e apelo internacional.

Para Lucas Peng, COO do Grupo IEST, e ex-executivo da gigante de games chinesa, Garena, o investimento da China em eSports abre caminho para a liderança do país nesse segmento. “A China já é um dos maiores mercados de eSports do mundo, com uma base de fãs apaixonada e infraestrutura de ponta. O sucesso de jogos como Honor of Kings e League of Legends em competições internacionais fortalece a imagem da China como líder no setor”, diz o especialista no mercado de eSports.

Confira a entrevista completa:

1 – Como a China evoluiu de um mercado focado em jogos mobile para um produtor de títulos AAA com apelo global?

R: A China começou sua trajetória no mundo dos games com um forte foco em mobile, impulsionada pela rápida adoção de smartphones e pela expansão da internet móvel. Jogos como Honor of Kings e PUBG Mobile dominaram o mercado local e, posteriormente, conquistaram o mundo. No entanto, com o amadurecimento do mercado e o aumento da competição interna, os estúdios chineses começaram a investir pesado em títulos AAA. Grandes empresas como Tencent, NetEase e miHoYo passaram a alocar grandes recursos em tecnologia de ponta, talentos internacionais e narrativas universais. Hoje, vemos jogos como Genshin Impact e Black Myth: Wukong competindo em gráficos, inovação e apelo global, colocando a China no mapa dos grandes produtores de games.

2 – O que diferencia os estúdios chineses dos concorrentes ocidentais e japoneses em termos de desenvolvimento e estratégia?

R: Os estúdios chineses têm algumas características únicas que os diferenciam. Primeiro, eles são extremamente ágeis e escaláveis, capazes de lançar e iterar jogos rapidamente. Segundo, dominam modelos de negócios como free-to-play e microtransações, que são altamente lucrativos e bem aceitos no mercado global. Além disso, investem muito em tecnologia, desenvolvendo motores gráficos próprios e adotando inovações como IA e cloud gaming. Por fim, têm uma habilidade impressionante de criar jogos que funcionam tanto no mercado local quanto global, como Genshin Impact, que mistura elementos orientais e ocidentais de forma harmoniosa.

3 – Qual o impacto da entrada de títulos como Honor of Kings, Black Myth: Wukong e Infinity Nikki no posicionamento da China no mercado global de games?

R: Esses títulos estão redefinindo a percepção global sobre os jogos chineses. Honor of Kings consolidou a China como líder no mercado mobile, enquanto Black Myth: Wukong e Infinity Nikki mostram que o país pode competir em gráficos de última geração e narrativas profundas. Esses jogos não apenas atraem jogadores, mas também chamam a atenção da mídia e da indústria, elevando a China ao status de produtora de jogos AAA. Eles são a prova de que a China não é apenas um mercado consumidor, mas também um criador de conteúdo de classe mundial.

4 – As aquisições de estúdios ocidentais por empresas como Tencent e NetEase indicam uma mudança na estratégia do mercado chinês?

R: Sem dúvida. Essas aquisições refletem uma estratégia de expansão global. Empresas como Tencent e NetEase estão adquirindo estúdios ocidentais para acessar talentos e tecnologias avançadas, além de ganhar conhecimento sobre as preferências culturais do público ocidental. Isso permite que a China não apenas exporte seus jogos, mas também influencie diretamente o mercado global. É uma mudança de mentalidade: de ser um player local para se tornar um líder global.

Mas um ponto interessante aqui, isso não é recente. Em 2008-2009, quando a Riot Games anunciou o League of Legends, a Tencent já tinha 23% da Riot Games. Após 2011, eles tinham 93%. E eles compraram totalmente a Riot Games em dezembro de 2015.

5 – Como os estúdios chineses equilibram a criação de jogos com identidade cultural local e a necessidade de apelo internacional?

R: Eles usam uma abordagem híbrida, que é fascinante. Por exemplo, Genshin Impact incorpora elementos da cultura chinesa, como arquitetura e mitologia, mas os apresenta de forma universal, com uma estética que agrada tanto ao público oriental quanto ao ocidental. Já Black Myth: Wukong se baseia em uma lenda chinesa clássica, mas utiliza gráficos e mecânicas que atraem jogadores de todo o mundo. A chave está em criar narrativas e visuais que sejam culturalmente ricos, mas acessíveis a um público global.

6 – Quais os principais desafios que os desenvolvedores chineses enfrentam para conquistar o público ocidental?

R: Um dos maiores desafios é lidar com as diferenças culturais. Temas e estéticas que funcionam na China podem não ressoar no Ocidente. Além disso, há as restrições governamentais na China, que podem limitar a criatividade ou atrasar lançamentos. Outro ponto é a percepção de qualidade: apesar dos avanços, alguns jogadores ocidentais ainda veem os jogos chineses como inferiores. Por fim, a concorrência com estúdios consolidados como EA, Ubisoft e Sony é intensa. Mas, como vemos com Genshin Impact e Black Myth: Wukong, esses desafios estão sendo superados.

7 – Quais tecnologias os estúdios chineses estão priorizando para se destacar no mercado global?

R: Os estúdios chineses estão investindo pesadamente em tecnologias como cloud gaming, IA e motores gráficos próprios. O cloud gaming, por exemplo, permite que jogos de alta qualidade sejam acessíveis em dispositivos móveis, enquanto a IA é usada para personalizar experiências e melhorar a inteligência de NPCs. Além disso, estão explorando realidade virtual (VR) e aumentada (AR) para criar experiências mais imersivas e como a realidade estendida (XR) e a mista (MR).

8 – Como o uso de motores gráficos próprios influencia a competitividade dos jogos chineses?

R: O uso de motores gráficos próprios, como o da miHoYo em Genshin Impact, permite maior controle sobre a otimização e a qualidade visual dos jogos. Isso reduz a dependência de tecnologias ocidentais, como Unreal Engine e Unity, e dá aos estúdios chineses uma vantagem competitiva. Além disso, motores próprios são adaptados às necessidades específicas dos desenvolvedores, o que acelera o processo de criação e inovação.

9 – Existe a possibilidade de os estúdios chineses influenciarem o design e a narrativa dos jogos ocidentais, assim como o Japão fez no passado?

R: Com certeza. Já estamos vendo isso acontecer. Jogos como Genshin Impact influenciaram o design de mundos abertos e sistemas de gacha no Ocidente. Além disso, a narrativa rica em mitologia e cultura chinesa está inspirando estúdios ocidentais a explorar temas semelhantes. A China tem o potencial de se tornar uma referência, assim como o Japão foi nos anos 90 e 2000. É uma questão de tempo até que vejamos mais influências chinesas no design e na narrativa dos jogos ocidentais.

10 – O investimento crescente em eSports na China pode fortalecer ainda mais a posição do país no mercado global?

R: Sem dúvida. A China já é um dos maiores mercados de eSports do mundo, com uma base de fãs apaixonada e infraestrutura de ponta. O sucesso de jogos como Honor of Kings e League of Legends em competições internacionais fortalece a imagem da China como líder no setor. Além disso, o investimento em eventos, transmissões e influenciadores ajuda a consolidar a cultura gamer chinesa globalmente. O eSports é uma peça-chave para o futuro do cenário competitivo na China e no Mundo. Um bom exemplo para ilustrar isso é que a empresa Hero Esports (antiga VSPO), a maior empresa de e-sports da China e Ásia, foi escolhida a dedo globalmente, para fazer eventos Globais como Esports World Cup e Asian Games.

Crédito: Daiane Mendes