A febre do personagem Labubu, vendido pela chinesa Pop Mart, sinalizou uma mudança no setor de brinquedos da China. Com a popularização de propriedades intelectuais originais (IPs), versões similares como Lafufu, Lababa e Labobo também se espalharam globalmente. O fenômeno revelou o novo posicionamento das empresas chinesas, que tentam deixar de atuar apenas como fábricas terceirizadas e buscar valor por meio de marcas e propriedades intelectuais próprias.
Em 2024, 65,51% das exportações de brinquedos com marca própria ocorreram por meio de comércio geral, segundo dados oficiais. A cifra representa um avanço na construção de marcas. No entanto, a maioria das fábricas ainda opera como fornecedora OEM, com foco na montagem sob encomenda. Essas empresas enfrentam baixa margem de lucro e pouca capacidade de negociação. A combinação de escala com baixa autonomia pressiona o setor por mudanças.
“Não queremos mais ser apenas fábricas de montagem para outros. Queremos criar nossas marcas e IPs”, afirmou um empreendedor do setor de design em Shenzhen.
Queda nas exportações e desafios externos
Em setembro de 2022, a China registrou a primeira queda nas exportações de brinquedos após 26 meses de alta. A desaceleração econômica global e os ajustes nas cadeias de suprimento expuseram os limites do modelo baseado em montagem.
Mesmo com a percepção de que o modelo OEM é insustentável, o setor segue dependente dessa estrutura. Após dois anos consecutivos de retração, 2025 manteve o cenário adverso, com tarifas elevadas afetando exportações.
Zheng Lin, dona de uma fábrica OEM em Zhanjiang que produzia para a americana Mattel, afirmou que precisou fechar linhas de produção com a vigência das novas tarifas. “Os distribuidores disseram que agora nem conseguem fazer pedidos”, contou.
Ainda em 2024, empresas identificaram uma recuperação parcial nos pedidos dos Estados Unidos, com tíquete médio maior. Os EUA seguem como principal destino das exportações chinesas de brinquedos, com US$ 10,55 bilhões em compras, alta de 4,24% ante o ano anterior. O país representou 26,46% das exportações totais do setor. Estima-se que cerca de 75% dos brinquedos vendidos nos EUA, como bonecos, triciclos e patinetes, venham da China. Mattel e Hasbro indicam que cerca de 40% dos produtos no mercado americano são fabricados no país asiático.
A Associação Americana de Brinquedos segue contrária às tarifas desde o governo Trump, alegando dependência estrutural da produção chinesa.
Apesar da leve retomada, empresas que dependem de volume continuam com margens reduzidas. Uma empresa ODM relatou aumento nos custos de produção, enquanto clientes insistem em descontos, inclusive distribuidores europeus e americanos.
Diversificação de mercados
Com a instabilidade nas relações comerciais com os EUA, empresas chinesas passaram a buscar mercados emergentes. “Percebemos que não podemos concentrar tudo em um único mercado. É preciso diversificar”, disse Xiao Juan (nome fictício), exportadora de brinquedos de Yiwu.
Xiao produz bonecas em várias línguas, vendidas principalmente na Rússia, Paquistão, Tajiquistão e América do Sul. Ela afirmou que investe mais em mercados com resposta positiva e ambiente político estável, reduzindo atuação onde há riscos geopolíticos.
A liderança chinesa nas cadeias globais favoreceu o aumento da demanda de países do Oriente Médio. Na Feira de Cantão e na Expo de Brinquedos de Hong Kong, em 2024, fabricantes relataram crescimento no número de compradores da região. Arábia Saudita, Emirados Árabes, Turquia, Iraque e Israel importaram mais de US$ 100 milhões em brinquedos chineses em 2024.
Além do Oriente Médio, o avanço da classe média no Sudeste Asiático aumentou o consumo. Na Europa, canais estáveis tornam o mercado estratégico na diversificação.
No mercado doméstico, o crescimento dos brinquedos colecionáveis e da cultura anime atraiu fábricas antes voltadas à exportação. Em Guangzhou, uma empresa afirmou: “Antes só olhávamos para fora. Agora vemos o potencial do mercado interno.”
Dados da Associação de Brinquedos de Guangdong apontam que o mercado tradicional no país deve alcançar RMB 77,42 bilhões em 2024, alta de 4,6%. Já o mercado de brinquedos colecionáveis deve somar RMB 72,7 bilhões, crescimento de 26%.
A empresa Sums Model, especializada em modelos colecionáveis, mantém foco no consumo interno. “A demanda ainda não foi atendida. Novas marcas surgem, sustentando as fábricas da região”, disse Liu Xueshen, presidente da companhia.
Em 2023, os IPs originais de Dongguan e Chenghai superaram os produtos terceirizados, com 53% do valor total de produção.
IPs e valor agregado
O avanço dos brinquedos colecionáveis e produtos derivados de IP representa nova fase do setor, com foco em valor agregado e diferenciação. Wang Tingting (nome fictício), executiva de marketing de uma empresa de design de brinquedos em Shenzhen, informou que os EUA respondem por 7% a 8% das vendas, concentradas em lojas especializadas. A meta é alcançar 10% em 2025.
Wang destacou que IPs funcionam como soluções finais, o que permite repassar custos ao consumidor final. Durante a alta das tarifas, a empresa elevou o preço ao varejista de US$ 5 para US$ 9-10, com preço final ao consumidor entre US$ 24 e US$ 25. A margem cresceu com base na exclusividade do produto.
Por outro lado, o setor enfrenta dificuldades para adaptar IPs ao gosto de públicos internacionais. Zhou Ting (nome fictício), responsável por uma empresa em Chenghai, contou que um IP baseado em símbolos chineses não teve aceitação nos EUA. “Investimos, mas os resultados ficaram abaixo do esperado. Vamos desacelerar a expansão”, disse.
A indústria também aposta em produtos artesanais com apelo artístico. Na Hobby Expo China, em maio de 2025, um modelo veicular em miniatura chamou atenção com preço superior a RMB 6.000. O fabricante informou que modelos semelhantes no exterior podem custar até US$ 1.000 e esgotam rapidamente.
O avanço de plataformas de e-commerce e personalização direta ampliou o alcance de estúdios chineses no exterior. “Antes, só estúdios europeus, americanos e japoneses atuavam nesse mercado. Agora, recebemos muitos pedidos também”, afirmou o responsável por um ateliê de Dongguan.
Segundo ele, esse tipo de produto não compete por preço, mas por exclusividade. “Hoje, não fizemos apenas brinquedos de plástico baratos. Trabalhamos com valor criativo e artístico.”
Após anos atuando como fornecedoras terceirizadas para marcas internacionais, fabricantes chinesas de brinquedos têm investido em marcas próprias e propriedades intelectuais (IPs) para aumentar a margem de lucro e reduzir a dependência do modelo OEM.
Em 2024, 65,5% das exportações de brinquedos com marca própria foram realizadas via comércio geral, segundo dados alfandegários chineses, um salto em relação ao histórico de exportações como OEM. Ainda assim, o setor permanece dominado por fábricas de montagem, com baixa margem e pouca autonomia sobre preços.
“Ainda somos mão de obra barata para multinacionais. Queremos mudar isso com IPs próprios”, disse um empreendedor da área de design em Shenzhen.
Exportações caem e pressionam modelo tradicional
O setor enfrenta pressão desde 2022, quando as exportações de brinquedos caíram pela primeira vez em mais de dois anos. Tarifas comerciais e enfraquecimento da demanda global agravaram a situação. Fábricas com foco exclusivo nos EUA enfrentam cortes de pedidos.
“A Mattel parou de comprar. Não consigo mais sustentar as linhas”, afirmou a dona de uma fábrica OEM em Guangdong.
Apesar disso, os EUA ainda responderam por US$10,55 bilhões em exportações em 2024, cerca de 26% do total. Estima-se que 75% dos brinquedos vendidos no país sejam fabricados na China.
Mercado interno e IPs ganham força
O mercado doméstico também atrai empresas. Estima-se que o setor tradicional movimente RMB 77,4 bilhões em 2024, enquanto o de brinquedos colecionáveis deve atingir RMB 72,7 bilhões, com crescimento de 26%.
A Pop Mart lidera esse movimento, com personagens como o Labubu. A expansão dos IPs também levou empresas a reajustarem preços. Uma marca de Shenzhen afirmou que elevou o preço de revenda de US$ 5 para US$ 9 sem queda na demanda.
“O consumidor compra porque quer aquele personagem. O valor está no design, não no plástico”, disse uma executiva de marketing.
No entanto, nem todos os IPs funcionam fora da China. Empresas de Chenghai relataram dificuldade em adaptar personagens locais ao gosto dos consumidores ocidentais.
Fonte: 36kr.com