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China aplica medidas de salvaguarda à carne bovina importada; regras terão impacto para o Brasil a partir de 2026

Crédito: Freepik

O Ministério do Comércio da República Popular da China (MOFCOM) decidiu aplicar medidas de salvaguarda à carne bovina importada. A medida entra em vigor em 1º de janeiro de 2026 e decorre de uma investigação conduzida com base no Regulamento Chinês de Salvaguardas, que concluiu pela existência de aumento significativo das importações e dano grave à indústria doméstica chinesa. O Comunicado nº 87/2025 foi publicado nesta quarta-feira, 31 de dezembro.

A decisão representa um marco relevante na política comercial chinesa para o setor de proteína animal e tem impactos diretos sobre o Brasil, atualmente o principal fornecedor de carne bovina ao mercado chinês, tanto em volume quanto em relevância estratégica.

O novo regime estabelece a aplicação de quotas tarifárias específicas por país, combinadas com uma tarifa adicional de 55% incidente sobre os volumes que excederem os limites anuais definidos. Dentro das quotas, permanece válida a tarifa atualmente aplicada às importações. Uma vez esgotada a quota anual, a tarifa adicional passa a incidir a partir do terceiro dia subsequente (inclusive), tornando economicamente onerosa a continuidade dos embarques além do limite autorizado.

De acordo com a análise do Optimize Integration Group, empresa chinesa especializada em serviços de importação de alimentos congelados e proteína animal, as medidas terão vigência inicial de três anos, entre 2026 e 2028, com aumento gradual das quotas globais ao longo do período. Para 2026, a quota total será de 2,688 milhões de toneladas, passando para 2,742 milhões de toneladas em 2027 e 2,797 milhões de toneladas em 2028. A alocação das quotas será realizada de forma específica por país, tendo Brasil, Argentina, Uruguai, Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos como os principais fornecedores contemplados, enquanto os demais países e regiões estarão sujeitos a uma quota unificada.

A inclusão do Brasil no grupo de países com quota específica preserva o acesso ao mercado chinês, mas inaugura uma nova lógica operacional. A partir de 2026, o fator crítico deixa de ser apenas a competitividade de preço e passa a ser a gestão do volume exportado, com atenção rigorosa ao consumo da quota e à coordenação logística e comercial com os importadores chineses. O regime também prevê que quotas não utilizadas em determinado ano não poderão ser transferidas para o exercício seguinte, o que reforça a necessidade de planejamento preciso dos embarques.

Outro ponto relevante é que, durante o período de vigência das medidas de salvaguarda, ficam suspensas as salvaguardas especiais previstas no Acordo de Livre Comércio entre a China e a Austrália, equalizando temporariamente o tratamento regulatório entre fornecedores tradicionais.

O comunicado também estabelece exceções para países e regiões em desenvolvimento cuja participação individual nas importações chinesas não ultrapasse 3%, desde que a participação combinada desses países não exceda 9%. Contudo, o MOFCOM deixa claro que, caso esses limites sejam superados durante o período de implementação, as medidas de salvaguarda poderão passar a ser aplicadas a esses fornecedores a partir do ano subsequente, o que tende a intensificar a competição dentro das quotas existentes.

Sob a ótica estratégica, o novo regime sinaliza uma mudança estrutural na forma como a China administra o equilíbrio entre segurança de abastecimento, estabilidade do mercado interno e proteção de sua indústria doméstica. Para o exportador brasileiro, o cenário não indica fechamento de mercado, mas sim um ambiente mais regulado, previsível e seletivo, no qual volume desorganizado perde espaço para estratégia comercial, disciplina logística e alinhamento contratual.

Nesse contexto, operações baseadas em contratos de médio e longo prazo, monitoramento contínuo do uso das quotas, definição cuidadosa do mix de produtos e coordenação estreita com parceiros chineses tendem a ganhar relevância. Por outro lado, embarques oportunísticos ou sem clareza quanto à disponibilidade de quota passam a carregar risco tarifário elevado.

A China permanece como o principal destino da carne bovina brasileira, mas a partir de 2026 o relacionamento comercial entra em uma nova fase. O sucesso das exportações dependerá menos da capacidade de expandir volumes rapidamente e mais da habilidade de operar dentro de um regime regulatório sofisticado, no qual previsibilidade, governança comercial e leitura estratégica do mercado chinês serão determinantes para a manutenção da competitividade brasileira.

Autor: João Luiz Filho