Quando Lúcia Puglia começou a estudar mandarim, ainda em São Paulo, a China parecia um destino distante, quase inalcançável. “Eu estudava chinês dois anos antes de vir e, mesmo assim, me parecia muito distante. Hoje eu sou tradutora, ajudo brasileiros que vêm para cá e estou aqui há dois anos”, diz. A trajetória que parecia improvável virou projeto de vida, estruturado por planejamento, estratégia e uma compreensão realista do sistema educacional chinês.
Segundo Lúcia Puglia, internacionalista formada pela USP e mestranda em Estudos da China na Zhejiang International Business University, o acesso às bolsas chinesas depende menos de sorte e mais de preparação. Ela afirma que planejamento, informação e uma estratégia bem definida tornam o processo mais viável do que muitos imaginam. Lúcia já vivia na China quando recebeu sua primeira bolsa, em Wuhan, pelo Instituto Confúcio. A partir dessa experiência, começou a pesquisar outras formas de permanecer no país e aprofundar os estudos.
Para ela, iniciar o processo com antecedência é fundamental. Lúcia lembra que as inscrições para bolsas universitárias costumam abrir entre setembro e outubro, mas só conseguiu se inscrever em novembro. “Eu tive que ir atrás do exame de proficiência de inglês, também fazer toda a documentação, então isso leva um tempo”. Segundo ela, quem se candidata mais cedo têm chances maiores do que aqueles que deixam para janeiro ou fevereiro.
Ela explica que o processo exige organização e documentação básica que inclui tradução juramentada do diploma e do histórico escolar para o inglês, seja do ensino médio ou da graduação para quem vai fazer pós. É preciso preparar pelo menos duas cartas de recomendação de professores da sua formação anterior. Também é obrigatório apresentar o certificado de antecedentes criminais, que pode ser emitido no site da Polícia Federal. Para cursos em inglês, as universidades costumam exigir comprovante de proficiência, como TOEFL, IELTS ou Duolingo. Para cursos em chinês, o nível necessário varia de acordo com a instituição. “É muita coisa ao mesmo tempo, mas não é difícil. Precisa de tempo, foco e saber para onde você está indo”, afirma.
Esse “saber para onde ir” passa por uma compreensão básica do sistema universitário chinês. Lúcia explica que é importante pesquisar universidades ligadas aos projetos 985 e 211, que formam o núcleo das instituições consideradas de excelência acadêmica, com mais recursos, professores e programas voltados a estudantes internacionais. Ela também recomenda observar se o curso escolhido faz sentido dentro da vocação daquela universidade, algo que pesou na decisão dela de seguir para os estudos chineses, uma área forte em diversas instituições de Pequim.
Além da documentação, um ponto considerado determinante no processo é a proximidade com a rede de relacionamentos chinesa. “Uma das expressões muito importantes no chinês é o guanxi, que quer dizer relacionamento, network, e realmente já vi muitas portas se abrindo pela presença do guanxi e também se fechando pela ausência dele”. Segundo ela, é importante manter contato e conversar com professores, participar de cursos curtos ou eventos acadêmicos e estabelecer conexões que reforcem a candidatura.
Custo de vida como bolsista na China
Ela admite que, à primeira vista, o valor da bolsa parecia que não seria suficiente, até entender como funcionava a rotina de um bolsista no país. Com a moradia incluída na bolsa, segundo ela, o subsídio cobre boa parte dos custos básicos, já que o custo de vida pode ser menor do que em vários destinos populares. “A comida de rua é realmente bem barata… um prato muito bem servido pode custar 10, 15 yuan”, exemplifica. No transporte, o metrô também é econômico: “cada linha custa de 2 a 4 yuan”, diz.
Ela compara essa realidade com o Brasil: “é bem diferente… se eu já tenho acomodação, [minha bolsa] cobre todas as minhas despesas.” No mestrado, segundo ela, a bolsa costuma subir para cerca de 3.000 yuan, ou até mais em casos especiais.
Desafios acadêmicos e rotina de estudos
Para Lúcia, um aspecto evidente da educação chinesa é a exigência acadêmica. “É esperado que você use o seu dia todo para a universidade… atender às aulas, fazer as lições, as tarefas e ir bem nas provas.” Ela explica que, dependendo da bolsa, pode haver exigência de nota mínima alta (em alguns casos, 85 ou mais). Por isso, avaliar bem o idioma do curso escolhido é fundamental. “Não recomendo escolher o chinês como idioma base, se você já não tiver realmente familiaridade com o idioma… escolher o inglês é um caminho mais seguro”, afirma.
Crescimento do fluxo acadêmico entre os dois países
O fluxo de brasileiros no país asiático ainda é pequeno, pouco mais de 20 mil visitaram a China em 2019, antes da pandemia, segundo dados oficiais chineses, mas a expectativa é que esse número dobre até 2027 com a isenção de visto entre os dois países e pelo fortalecimento do ensino de mandarim no Brasil.
A presença do Instituto Confúcio foi determinante na trajetória dela e também é parte de um esforço maior entre Brasil e China para aumentar o ensino de mandarim. O Brasil conta hoje com 15 institutos, cerca de 20 mil alunos de mandarim e mais de 1.500 brasileiros que já estudaram na China com apoio institucional, de acordo com dados apresentados pela vice-ministra da Educação do Brasil, Denise Pires de Carvalho, na Conferência Mundial da Língua Chinesa de 2025, em Pequim.
Lúcia enxerga sua experiência como estratégica para sua carreira. Ela acredita que falar mandarim, ter estudado na China e entender sua cultura traz uma vantagem competitiva no mercado de trabalho. “Hoje, falando mandarim, eu não vejo só o mercado chinês como uma possibilidade, mas o mundo como um todo.” Ela cita empresas de comércio exterior, portos, companhias de logística e relações governamentais como áreas onde esse conhecimento tem demanda crescente.


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